Mossoró monta seu Auto da Liberdade com o diretor Gabriel Villela, em setembro de 2003
O enfoque do diretor mineiro para a grande festa da liberdade da cidade do Rio Grande do Norte parte dos primórdios do teatro grego e vai até os dias de hoje, numa leitura unindo erudito e popular. Com 61 atores e 25 bailarinos no elenco, o espetáculo é a celebração dos momentos libertários da cidade
Um grande espetáculo popular vai lotar as ruas e avenidas de Mossoró , em setembro. A cidade, distante 270 km de Natal, será transformada na capital cultural do Rio Grande do Norte. Para resgatar a história da cidade – que aposta no charme de, além de ter petróleo no solo, valorizar a cultura e incentivar a auto-estima de seu povo -, a Prefeitura promove o desfile O Grande Cortejo da Cultura Popular e o espetáculo teatral Auto da Liberdade, realizado ao ar livre, entre os dias 26 e 29 de setembro de 2003, que este ano leva a assinatura da direção de Gabriel Villela.
O diretor mineiro foi especialmente convidado para montar a sua versão do espetáculo. Para tanto, está instalado há dois meses na cidade, onde montou oficinas de criação (interpretação, figurino e cenografia), absorvendo artistas da cidade (86 pessoas), num trabalho social junto às comunidades locais.
Maior evento artístico-cultural da cidade de Mossoró, o Auto retrata o heroísmo e a cidadania do povo mossoroense, por meio dos quatro eventos históricos que fizeram de Mossoró um território atípico na história da liberdade: o Motim das Mulheres (que relembra a revolta contra o recrutamento para a Guerra do Paraguai), o 1º Voto Feminino da América Latina, a Resistência ao Bando de Lampião e a Libertação dos Escravos cinco anos antes da Lei Áurea.
Nascido do cortejo, que acontece na cidade há 50 anos, o Auto – realizado há 5 anos – retrata o espírito feminino organizado. Amir Haddad e Fernando Bicudo já dirigiram o espetáculo, o primeiro, inclusive, foi quem encomendou o texto do Auto ao poeta Crispiniano Neto.
“O espetáculo concebido por mim para o ano de 2003 surgirá a partir do texto do poeta Crispiniano Neto (Auto da Liberdade) e traçará uma reciprocidade histórica entre os feitos de Mossoró e os seguintes instantes: a liberdade filha do classicismo grego (Prometeu Acorrentado), a liberdade atravessando com os Hebreus o Mar Vermelho, a liberdade guiando o povo na Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira e a estátua da Liberdade”, explica Gabriel Villela.
De acordo com o diretor, “quando Prometeu trouxe o fogo do conhecimento aos homens e, como punição, tornou-se o primeiro de todos a ser encarcerado, acorrentado, nasce a liberdade como tema clássico para o gregos”. Ele continua: “Do período arcaico até os fatos históricos de Mossoró, a liberdade tem sido a bandeira empunhada por todos os povos quando se sentem ameaçados por tiranias e infinitas formas de opressão”.
Montagem
A encenação do Auto da Liberdade será ao ar livre, em uma arena de 23 metros, com piso revestido por areia, ao estilo do teatro grego. Ao redor, estão desenhos gregos confeccionados com areia colorida. Em volta da arena, pedras confeccionadas com ferro e tela de galinheiro lembram as ruínas. Para ganhar o efeito de pedra transparente, receberam um banho de álcool desmoldante. Parte da encenação acontece na entrada da Estação das Artes Elizeu Ventania (antiga estação ferroviária), que foi maquiada para se tornar um proscênio (a entrada do palco) grego. “Quem enxergar de cima verá um coliseu”, compara Gabriel.
“Como o auto é um livro, não será usado na íntegra. Para cada ato, convoquei uma página da história”, fala Gabriel, explicando que se inspirou em dois cordelistas, Crispiniano Neto e Antônio Francisco. Para lembrar os cinco episódios da história da humanidade em que a liberdade foi o elemento diferencial, Gabriel está apostando na cultura popular, com linguagens cênicas que domina. “Minha montagem organiza no palco o conteúdo celebrativo do espetáculo, para o povo de Mossoró se sentir representado. Ela reflete as versões anteriores e sintetiza tudo em configuração grega”, diz Gabriel, explicando o motivo pelo qual foi erguida a estrutura em torno de uma arena grega.
Escudado por três assistentes (Kaju Ribeiro, Fábio Elias e Ricardo Rizzo), o diretor criou na cidade oficinas de criação, que funcionaram como um centro de capacitação profissional, e aconteceram em um galpão, sob a supervisão dos assistentes de figurino, cenografia e adereços, Márcio Vinicius e Mônica Pompeo – que dão apoio a Gabriel na criação das peças. Dessas oficinas, eles selecionaram artistas da comunidade para trabalhar no Auto – 11 pessoas na parte de adereços, 8 na de figurinos e 7 no cenário. “O mais importante é liberar a criatividade do artista. A transgressão é fundamental para se fazer arte popular”, fala Gabriel.
A protagonista
Depois de audição com mais de 400 candidatos, foi selecionado um elenco de 86 artistas – 61 atores e 25 bailarinos. A personagem principal é interpretada pela atriz mossoroense Tony Silva, que será a contadora de história. Ela chegará montada em um jegue elétrico, computadorizado, como uma trovadora. Munida de uma rabequinha, encarna o espírito armorial da arte nordestina e passa a contar a história do lugar a partir das pinturas ruprestes.
No começo do espetáculo, um ator caracterizado de índio, como um homem primitivo, desce de uma grande estrela no centro da arena, cuspindo fogo sobre o cenário, que ganha um efeito incandescente. O índio representa Prometeu e sopra o fogo do conhecimento sobre a cidade. Nesse momento, entra Tony cantandoUm Índio , de Caetano Veloso. “O encerramento é apoteótico. O clima convida os atores a se despirem de suas máscaras, ao som de Beethoven”, adianta Gabriel.
Aos 42 anos, Tony Silva é funcionária do Estado e traz na bagagem a participação no filme Lua Cambará(2000, do cearense Rosemberg Cariri), com o qual foi para o Festival de Brasília, indicada como melhor atriz coadjuvante. Em 1990, com A Aurora da Minha Vida , de Naum Alves de Souza, ganhou o troféu de melhor atriz coadjuvante, em Campina Grande, Paraíba. A atriz começou na década de 80, fazendo teatro panfletário, com Crispiniano Neto.
Cenário
Projetado para ser encaixado na fachada da Estação das Artes, o cenário é formado por colunas estilizadas, de quatro metros de altura, construídas em revestimento de fibra e emolduradas por tecidos, para serem iluminadas. No interior da Estação das Artes, Gabriel projetou um portão de ferro, medieval, de 7m80cm, feito em metalon, revestido com chapa de ferro, com efeito, enferrujado naturalmente. Esse portão é a entrada e saída dos coros.
As colunas dão a impressão de sustentar a Estação e são as molduras de imensos backlights (imagens iluminadas por trás), que trazem, entre outras figuras, Tiradentes esquartejado, Prometeu Acorrentado, Guernica (de Picasso) e a estátua da Liberdade. Com 8 metros de comprimento por 5 de altura, o quadro que traz a imagem da liberdade guiando o povo na Revolução Francesa é outro backligth . Na confecção dos materiais, foram usadas as técnicas disponíveis na cidade. 98% desse material foi comprado em Mossoró, assim como toda a mão de obra usada na confecção do cenário é local.
Adereços e figurinos
Os figurinos e adereços somam mais de 300 peças. 70 toalhas de mesa foram cortadas para se transformar nas saias do coro grego. Blusas de renda de bilro e gravatas compõem os trajes.
As máscaras usadas pelos atores serão maquiadas com a terra de Mossoró, serragens, botões e cores, inspiradas nas garrafinhas de areia colorida, tradicionais da região. Feitos com cordão de rede, os 375 peitorais e barrigueiras (tecidos no ateliê, em pequenos teares, pelos artistas locais) serão usados como cintos e suspensórios pelos 25 bailarinos, trajados com saias de linha e blusas de crochê, brocadas. Os adereços de cabeça dos 61 atores são pequenos chapéus de vaqueiro, típicos da região, folheados a ouro.
Músicas
Composta e adaptada, mesclando música original (inspiradas no cordel de Crispiniano Neto), canções com novos arranjos e trechos de hinos, a trilha sonora está a cargo de Daniel Maia e Fernando Muzzi. Entre as músicas que receberam novos arranjos, destaque para Um Índio (de Caetano Veloso) e Assum Preto (de Luiz Gonzaga). Trechos de hinos, como Bella Ciao (representando a Itália) e a Marselhesa (representando a resistência francesa) são usados como trilha incidental, não explicitamente.
Com base em ritmos nordestinos, a trilha tem pitadas de ritmos africanos. “A música sofrerá uma adequação dramática”, diz Gabriel, explicando que quando Crispiniano Neto escreveu o auto, a pedido de Amir Haddad, já existia uma música que contava a história. “A música precisa ser tratada, para que este material original se case com as canções”, afirma o diretor.
Festa popular
“A idéia de trazer diretores de fora é para capacitar sempre mais os nossos artistas, diz a prefeita, que fala com orgulho da festa, que é marcada pelo cortejo/desfile, num percurso de 2 km, com mais de 8 mil pessoas nas ruas. “Faz parte da política cultural do município contar a história por meio da visão de vários diretores. Acreditamos que a cultura é o caminho para a conscientização”.
De acordo com a prefeita Rosalba Ciarlini, o povo foi quem legitimou a festa, comemorada há 119 anos. Mossoró ferve no mês de setembro – “a cidade se movimenta nos 30 dias, a maçonaria celebra sua sessão magnânima, são lançados livros de autores da região e reeditadas obras raras. A Universidade Estadual também faz aniversário em setembro. Uma semana de seminários sobre as novas liberdades também acontece em setembro e até o Governo do Estado se instala aqui”.
Fonte: http://www.artepluralweb.com.br/
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