http://www.boacompanhia.art.br/2010/02/esperando-godot-2/
Esperando Godot
Todos os dias, num local à beira de uma estrada deserta, que não é possível descrever porque não se parece com coisa nenhuma, junto de uma árvore solitária – nua e esquelética hoje, no dia seguinte coberta de folhas – dois homens, Vladimir e Estragon, esperam Godot. Mas nada acontece, ninguém chega, ninguém parte. E Godot – o único protagonista-ausente da história do teatro – que não saberemos quem é ou o que significa, nunca virá. Para preencher sua desesperada expectativa, para iludir o tédio dos dias vazios e sempre iguais, Vladimir e Estragon falam um com o outro até a exaustão, mesmo sem terem nada que dizer: assim, ao menos dão-se a impressão de existirem.
Ao longo de dois dias (dois atos) recebem a companhia de Pozzo e Lucky, um patrão e seu respectivo escravo-carregador. No 1º ato Pozzo revela toda sua crueldade no trato com seu criado, e este por sua vez, desarticula o pensamento dos demais ao pronunciar um verborrágico monólogo. No 2º ato, opressor e oprimido fazem nova companhia à Vladimir e Estragon, a não ser por um detalhe: Pozzo está cego e Lucky mudo. Um 5º personagem aparece ao fim de cada dia: um mensageiro que traz um recado do tão esperado Godot. Recado dado, o que resta a Vladimir é a companhia de Estragon. Em suma, estão de mãos atadas, atrelados à Godot, ou como o próprio Beckett diria anos mais tarde: “…o que une Vladimir e Estragon é a amizade de duas mãos, não uma verdadeira amizade. Ocorre simplesmente que um dia eles foram unidos e como duas mãos, eles retornam sempre à mesma situação; como duas mãos eles não podem se separar um do outro a não ser até um certo limite e são assim, sem verdadeiramente se apartarem um do outro, inseparáveis.”
A ENCENAÇÃO E O TRABALHO DO ATOR
A espera e o jogo
Se a espera é certa, se as respostas não virão, o melhor mesmo é “jogar” a vida, mesmo que de vez em quando paremos para refletir a respeito das perguntas sem resposta e sentir o peso da existência.
Jogo e vida. Jogar a vida. Jogo da vida ou a vida como jogo? Se a espera por respostas é o sentido da vida, enquanto esperamos, “joguemos”. Ou, se o sentido da vida está no jogo e não na espera, enquanto jogamos, esperamos. Ou, talvez, o que seja melhor: as duas possibilidades ao mesmo tempo.
Em Esperando Godot perdemos a noção da distinção entre realidade ficcional e sua ficção. Por conotação, entre vida e jogo, entre realidade e representação. E é dessa falta de noção que surge com grande força a constatação maior da obra de Beckett: a vida é assim mesmo, o jogo é esse, então…
E esse “é assim mesmo” não tem aqui uma conotação niilista, como sempre se quis da obra beckettiana. É somente uma constatação tão violenta que se chega a pensar verdadeira e, por isso, quase paralisante. Mas, na verdade, ela guarda em si um componente criativo tão violento quanto a sua constatação: a criatividade dos personagens em encontrar e vivenciar “jogos”, para que o tempo passe e a espera não se torne insuportável, é infinita, e se repetirá para sempre, todo dia, todo amanhecer, por força ou não da vontade individual.
Beckett em sua obra nos diz, a todo momento, que o fim se aproxima, que a morte espreita, que o jogo irá acabar. Mas ao mesmo tempo cria belas jogadas, jogadas patéticas, jogadas engraçadas, jogadas líricas, fazendo com que os personagens caminhem em uma linha tênue sem saber ao certo se representam ou vivenciam suas experiências. Estagnação e mobilidade, paralisia e criatividade, outras dualidades, para além das intersecções, construídas tão bem em sua obra teatral. Beckett a constrói a partir dos duplos, das dualidades através de paradoxos. Como a vida.
Esperando Godot é um clássico contemporâneo. Obra semeadora de toda produção teatral beckettiana, mas que, além disso, nasceu sob o ponto de vista estrutural de sua dramaturgia, do encontro apurado entre estrutura clássica e modernidade, que somente os grandes autores conseguem mesclar. O “novo” levando em conta o passado para não se perder apenas em tendências, mas sim, a configurar-se como linguagem estruturada para estabelecer profundo diálogo com seus interlocutores.
Como Édipo Rei, Hamlet e Fausto sempre será necessária uma montagem de Esperando Godot. Obra que se impõe, ela virá a público de um jeito ou de outro. Nessa montagem optamos por inseri-la no edifício teatral convencional, para ali instalar um espaço de representação que contém um outro espaço de representação e assim por diante, nos infinitos quadriculados de Sergio Fingermann, onde trama e realidade se confundem a espera de uma nova escolha. Se o Homem está em jogo, diariamente é dada a ele a chance de uma nova jogada.
FICHA TÉCNICA
Tradução: Christine Rörhig
Direção: Marcelo Lazzaratto
Mensageiro: Fabiana Fonseca
Estragon: Daves Otani
Vladimir: Eduardo Osorio
Pozzo: Moacir Ferraz
Lucky: Alexandre Caetano
Design de Som: Daniel Maia
Técnico de Luz: Marcelo Luis Santos
Técnico de Som: Silas Oliveira
Realização: Associação Cultural Boa Companhia
São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2006 |
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Novo “Godot” vê homem do século 21DA REPORTAGEM LOCAL Como “Édipo Rei”, “Hamlet” e “Fausto”, sempre será necessária uma montagem de “Esperando Godot”, afirma o diretor Marcelo Lazzaratto, que assina o novo espetáculo da Boa Companhia, em temporada a partir de hoje no Sesc Ipiranga. |
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