Alvise Camozzi estreia Void no Sesc Avenida Paulista
No dia 29 de novembro, quinta, estreia no Sesc Avenida Paulista o espetáculo VOID, criação do italiano radicado no Brasil Alvise Camozzi. O solo relata, a partir de perspectivas distintas, acontecimentos que compõem o caso do Césio 137, um desastre radioativo que aconteceu em Goiânia na década de 1980, considerado o maior acidente radiológico acontecido no mundo, fora das centrais nucleares. Alvise, que divide a direção com Beatriz Sayad, traz para o palco um relato prismático do incidente, comungando a versão oficial com relatos dos sobreviventes, a versão de quem ouviu falar sobre o caso e o imaginário que se criou acerca do ocorrido. A dramaturgia de Alvise em colaboração com a também italiana Letizia Russo, leva o espectador a questionar a real ocorrência da tragédia e a repensar o processo de sedimentação e apagamento das memórias coletivas, bem como a sensibilidade das pessoas na percepção da realidade. O projeto contempla ainda uma instalação, híbrida ao espaço cênico, que promove a interatividade entre os próprios visitantes e entre os visitantes e o espaço, complementando a experiência do espetáculo.
O acidente
Em 1987, transição entre a ditadura e o período democrático, na cidade de Goiânia dois jovens encontram no abandonado Instituto Goiano de Radioterapia um antigo aparelho radioterápico. Eles desmontam o equipamento e o vendem para um ferro-velho da cidade. No interior do maquinário havia um núcleo de material radioativo, Césio 137, pó azulado que em ambientes escuros possui tom luminescente. O material chamou atenção do dono do ferro-velho que, maravilhado com o efeito brilhante, levou o pó para a família e acabou por se espalhar pela cidade. Oficialmente, foram contabilizadas 4 mortes, 151 contaminados graves e 1143 pessoas afetadas pela radiação do Césio 137. A Associação das Vítimas do Césio 137 afirma que até o ano de 2012, quando o acidente completou 25 anos, cerca de 104 pessoas morreram nos anos seguintes pela contaminação, decorrente de câncer e outros problemas, e cerca 1600 tenham sido afetadas diretamente. Várias pessoas sobreviveram, apesar das altas doses de radiação. Isto pode ter acontecido, em alguns casos, porque receberam doses fracionadas. Com o tempo, os mecanismos de reparo do corpo poderão reverter o dano celular causado pela radiação.
O espetáculo
Em VOID, o artista italiano Alvise Camozzi retoma sua pesquisa sobre as fronteiras entre a realidade e a ficção a partir de narrativas mnemônicas. Em Psicotrópico, seu último trabalho, Alvise explorou a sobreposição de histórias apoiado em uma recordação pessoal, e na montagem atual o artista amplia essa abordagem correlacionando com o processo de assimilação do que é real, em diversas camadas de apropriação.
“Em Psicotrópico, meu espetáculo anterior, isolei uma lembrança particular, para mim muito significativa, e a multipliquei e a sobrepus a outras narrativas ficcionais de alguma maneira especulares à minha lembrança. Eu procurava assim contaminar, com os meus fragmentos de memória, a memória do espectador. VOID é, ao mesmo tempo, uma expansão e uma inversão dessa experiência sobre os deslocamentos de percepção da realidade”- explica Alvise. O eixo central é um episódio trágico que mobilizou e emocionou, na década de 80, a população brasileira e as narrativas relacionadas direta ou indiretamente a ele. Partindo dessa pesquisa, o espetáculo não percorre um caminho documental, mas sim de exploração das possiblidades, impulsionando o espectador a trafegar entre a incredulidade e a versão oficial.
“O conjunto das narrativas dessa catástrofe pode ser percebido como uma história de ficção científica. Também sua carga simbólica é muito significativa. A justaposição das contradições sociais, econômicas, geopolíticas, que emergem dessa tragédia, parecem uma metáfora sombria do Brasil contemporâneo. O limiar entre realidade e representação é muito incerto. O parcial desaparecimento desse evento da memória coletiva nos faz até duvidar do seu real acontecimento. Essa incerteza é o eixo da pesquisa”.
O jornalista e ativista político Fernando Gabeira, ao longo do seu livro dedicado ao desastre radiológico de Goiânia, se apropria do termo Freudiano “Inquietante Estranheza” (unheimlich) para explicar a particular sensação da população frente às notícias sobre o desastre. Freud usou o termo para alinhar aquelas coisas, impressões e eventos, que conseguem despertar em nós sentimentos de estranheza, de forma particularmente poderosa e definida. A “Inquietante Estranheza”, portanto, é a sobreposição de um conjunto de narrativas, que se configuram, em sentido amplo, como um conjunto de representações que ao mesmo tempo em que relatam o evento, revelam também os símbolos onde canalizam as emoções, contaminando o factual pela ficção e vice-versa.
A INSTALAÇÃO
A proposta da instalação é a de promover a interação entre os visitantes e o espaço, e também entre os próprios visitantes, buscando memórias pessoais de maneira orgânica e incentivando o seu compartilhamento. Por meio de temporizadores, gravadores, sensores de presença, a instalação capta e reproduz essas histórias fundindo-as com a paisagem sonora, dando vida à uma multidão de vozes e sons que envolvem os visitantes. A instalação é parte do espaço cênico, o que aproxima o público da narrativa e o sensibiliza para uma experiência mais profícua.
“O conceito da instalação se fundamenta no contraste entre o ambiente vazio (do esquecimento, não representativo: ante-cênico e ante-teatral) e as “memórias sonoras” que o público pode acionar caminhando pelo espaço” – comenta Alvise. O aparato tecnológico é controlado por um sistema tipo Arduíno e, durante as sessões de vinte minutos que ocorrem a cada meia hora, permite ao visitante o contato com uma dramaturgia sonora, que é alterada por sua movimentação e interação, construindo novas possibilidades narrativas.
CRIAÇÃO E DIREÇÃO
Alvise Camozzi é um artista italiano que vive no Brasil. É autor e performer de seus trabalhos, como Psicotrópico, Natureza Morta para Laura e a instalação sonora tresirmasoundscape. Como encenador dirigiu Só, prêmio Shell de melhor ator para João Miguel e Babel, ambos da dramaturga Letizia Russo; O Bosque, de David Mamet e O Feio, de Marius Von Mayemburg, entre outros. Co-roteirizou e protagonizou a docufiction “o louco dos viadutos” com direção de Eliane Caffé. No Brasil, como ator, trabalhou com Mauricio Paroni De Castro e Gabriel Villela.
Beatriz Sayad é autora, atriz, diretora e tradutora. Desde os 18 anos integra a companhia suíça Teatro Sunil (atual Cia Finzi Pasca), com a qual colabora até hoje. No Brasil, atuou como palhaça em hospitais nos Doutores da Alegria. Integrou durante seis anos a Cia Teatro Balagan, em São Paulo, como atriz/pesquisadora. Desde 2010 volta a atuar na Compahia Finzi Pasca nos espetáculos Donka uma carta a Tchekhov (2010), La Veritá (2013) e Per Te (2016) ambos em turnê por mais de 20 países. Paralelamente à turnê, em 2011, dirigiu e escreveu, ao lado da atriz Dani Barros, o espetáculo Estamira – Beira do Mundo.
SERVIÇO:
VOID
Quando: de 29 de novembro a 23 de dezembro de 2018
Horário: às21h (quinta a sábado) e 18h (domingo)
Local: Arte II – 13º andar (70 lugares)
Ingressos: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
Duração: 70 minutos
Classificação etária: 14 anos
SESC AVENIDA PAULISTA
Avenida Paulista, 119, Bela Vista, São Paulo
Fone: (11) 3170-0800
Transporte Público: Estação Brigadeiro do Metrô – 350m
Horário de funcionamento da unidade:
Terça a sábado, das 10h às 22h.
Domingos e feriados, das 10h às 19h.
Horário de funcionamento da bilheteria:
Terça a sábado, das 10h às 21h30.
Domingos e feriados, das 10h às 18h30.
Site: sescsp.org.br/avenidapaulista
Facebook: facebook.com/sescavpaulista
Instagram: @sescavpaulista
App Sesc Avenida Paulista: disponível para download gratuito em celulares e tablets no endereço sescsp.org.br/avenidapaulista
Sobre “Void”
A memória é, como bem se sabe, um tanto o registro de uma realidade objetiva e outro tanto ficção, confusão, equívoco e subjetividade. A memória nunca é o armazenamento do fato em si, mas sim o fato em si tingido por uma série de variáveis, de recortes e de filtros.
Ainda mais traiçoeira é a memória daquilo que nos contam. Se nossas memórias já passam por filtros e processos narrativos, as memórias ditas oficiais passadas adiante por terceiros também têm muito de ficção: estão dentro de recortes, servem a certos interesses.
A partir do episódio do Césio 137, desastre radioativo ocorrido em Goiânia na década de 1980 e considerado o maior acidente radiológico no mundo (fora das usinas nucleares) , Alvise Camozzi e Beatriz Sayad tecem uma teia de recordações pessoais, coletivas e poéticas para falar da construção, da manutenção e do uso da memória, bem como do esquecimento.
Vamos à memória do fato: no final dos anos 1980, num momento de transição dos modelos de governo pelos quais o Brasil passou, dois jovens encontraram um aparelho radioterápico no terreno abandonado onde antes era o Instituto Goiano de Radioterapia. Desmontaram o aparelho e venderam suas partes a um ferro-velho, expondo seu núcleo de Césio 137, material altamente radioativo. Encantado pela aparência bioluminescente do Césio, o dono do ferro-velho levou um pouco dele para casa, iniciando uma cadeia que culminaria na morte de 104 pessoas por contaminação direta e na contaminação de 1600 indivíduos nos vinte e cinco anos seguintes.
Como toda memória, esta é a retenção da realidade por alguém. De uma parcela da realidade, dentro de filtros, recortes e interesses. A divulgação dessa memória também operará dentro desta mesma lógica: através de filtros, recortes e interesses e essa narrativa também será absorvida de maneira similar.
Se a memória afetiva do fato (onde eu estava quando soube da história? como ela me marcou? o quanto eu exagerei na minha cabeça? qual a diferença da memória de quem viveu diretamente o fato e de quem só ouviu falar dele?) apela à nossa empatia e humaniza as vítimas, a memória objetiva (se é que há) traça um panorama do Brasil de então, expondo contradições políticas, geográficas e sociais.
A pergunta mais pertinente que Void faz é a quem serve a lembrança e o esquecimento de determinado fato. A essa pergunta seguem outras, como: a quem serve o acesso ou a privação de informação? Quão confiáveis são as narrativas oficiais e ditas imparciais, seja a de jornais ou do governo? Quais memórias devem ser lembradas em detrimento de outras?
Void consegue resumir bem as perguntas que levanta ao se apropriar de um trecho da obra de Lewis Carroll: “‘Quando eu digo uma palavra’, Humpty Dumpty disse em tom de escárnio, ‘ela significa o que eu quero que signifique, nem mais nem menos’; ‘A questão é’, disse Alice, ‘como é possível fazer com que uma palavra tenha vários significados’; ‘A questão é’, replicou Humpty Dumpty, ‘saber quem é que manda, e só’”. Este pode ser um possível norte sobre a narrativa do Césio 137 — mas também podem pautar a reflexão sobre basicamente qualquer estrutura de poder, seja de ordem social, política ou outra.
VOID
CRIAÇÃO E DIREÇÃO
Alvise Camozzi é um artista italiano que vive no Brasil. É autor e performer de seus trabalhos, como Psicotrópico,Natureza Morta para Laura e a instalação sonora tresirmasoundscape. Como encenador dirigiu Só, prêmio Shell de melhor ator para João Miguel e Babel, ambos da dramaturga Letizia Russo; O Bosque, de David Mamet e O Feio, de Marius Von Mayemburg, entre outros. Co-roteirizou e protagonizou a docufiction “o louco dos viadutos” com direção de Eliane Caffé. No Brasil, como ator, trabalhou com Mauricio Paroni De Castro e Gabriel Villela.
Beatriz Sayad é autora, atriz, diretora e tradutora. Desde os 18 anos integra a companhia suíça Teatro Sunil (atual Cia Finzi Pasca), com a qual colabora até hoje. No Brasil, atuou como palhaça em hospitais nos Doutores da Alegria. Integrou durante seis anos a Cia Teatro Balagan, em São Paulo, como atriz/pesquisadora. Desde 2010 volta a atuar na Compahia Finzi Pasca nos espetáculos Donka uma carta a Tchekhov (2010), La Veritá (2013) e Per Te(2016) ambos em turnê por mais de 20 países. Paralelamente à turnê, em 2011, dirigiu e escreveu, ao lado da atriz Dani Barros, o espetáculo Estamira — Beira do Mundo.
SERVIÇO:
Quando: de 29 de novembro a 23 de dezembro de 2018
Horário: às 21h (quinta a sábado) e 18h (domingo)
Local: Arte II — 13º andar (70 lugares)
Ingressos: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
Duração: 70 minutos
Classificação etária: 14 anos
SESC AVENIDA PAULISTA
Avenida Paulista, 119, Bela Vista, São Paulo
ASSESSORIA DE IMPRENSA DO SESC AVENIDA PAULISTA
Nossa Senhora da Pauta
Frederico Paula — MTb-SP: 28.319
(11) 2478–6309/ 99658–3575
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