“Tectônicas pretende estimular uma reflexão sobre o nosso momento histórico, em que a violência tem preponderado tanto nas relações pessoais quanto nas sociais. Um convite à percepção de que não somos apenas as vítimas de um sistema que condenamos, mas os seus agentes e muitas vezes os seus algozes.”, explica Samir Yazbek.
A narrativa é conduzida de forma épia por Dolores e Alfredo, familiares já mortos do usineiro (Dolores – Sandra Corveloni e Alfredo – Mauro Schames), metaforizadas nas “tectônicas” (título da peça), palavra de origem grega (“tektoniké”) que significa “a arte de construir”, remetendo às placas que vivem recriando a paisagem da Terra.
“Por meio da dialética criada entre passado e presente, pretende-se investigar não apenas como o primeiro determina o segundo, mas como o segundo pode redimensionar o significado do primeiro – daí o sentido da personagem Dolores (mãe de Jorge), que, embora já morta, pretende comunicar-se com o público, utilizando-se da metáfora das tectônicas, inspirada no universo da geologia”, completa o autor.
Sobre a encenação
Um organismo metálico e tubular livremente inspirado nas usinas de cana de açúcar é o cenário principal da peça, criado pelo diretor Marcelo Lazzaratto. “É o espaço em que todas as personagens, de certa forma, estão inseridas, podemos até dizer reféns, com maior ou menor consciência disso. Presas ao poder imposto por um patriarcado atávico que remonta aos primeiros passos de nossa colonização com as capitanias hereditárias e que até os dias de hoje regem, oprimem, determinam vidas e destinos, as personagens relacionam-se revelando sua insatisfação e desejo de mudança, mas também sua impotência.”, observa Lazzaratto.
No centro desse organismo uma chaminé, síntese desse poder que queima e espalha com sua fumaça sua verdade e ambição, é o lugar, o escritório, o altar, a plataforma de Jorge, o grande senhor, que dali rege tudo.
Sobre essa estrutura, imagens e vídeos são projetados revelando o absoluto controle de Jorge sobre o que acontece à sua volta, como se ali também fosse uma sala de operação e vigilância; mas também anteparo para vídeos com imagens críticas a esse poderio.
Ao redor desse organismo metálico e tubular existe um espaço vazio, ermo, quase outra dimensão em que personagens misteriosas transitam buscando entender como interferir nas veias e artérias do organismo, visando sua transformação, cura, ou mesmo, fim.
Completam a equipe criativa desta encenação o iluminador Wagner Freire, Marichilene Artsevskis, que assina os figurinos, Dan Maia, que faz a música original, e vídeo de André Guerreiro Lopes.
FICHA TÉCNICA
Texto: Samir Yazbek
Direção: Marcelo Lazzaratto
Elenco: André Garolli, Heitor Goldflus, Luciana Carnieli, Maria Laura Nogueira, Mauro Schames, Patricia Gasppar, Sandra Corveloni e Sidney Santiago Kuanza.
Participações em Vídeo: Ademir Emboava e Alexandre Borges.
Iluminação: Wagner Freire
Cenografia: Marcelo Lazzaratto
Figurinos: Marichilene Artisevskis
Música original: Dan Maia
Direção e criação dos vídeos projeções: André Guerreiro Lopes
Fotografia: João Caldas Fº
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Produção Executiva: Fabrício Síndice e Vanessa Campanari
Direção de Produção: Edinho Rodrigues
Realização: SESI-SP e Brancalyone Produções Artísticas
SERVIÇO:
Tectônicas
Temporada no Teatro do SESI-SP, no Centro Cultural Fiesp: de 10 de setembro a 28 de novembro de 2021.
Horários: sexta e sábado, às 20h | Domingo, às 19h
Sessões extras: 13, 20 e 27 de novembro, sábados às 19h
Local: Teatro do SESI-SP – Av. Paulista, 1.313 (Metrô Trianon-Masp)
Duração: 80 minutos
Gênero: drama
Classificação indicativa: 12 anos
Entrada gratuita. Reservas de ingressos online disponíveis em www.sesisp.org.br/meu-sesi. Novas reservas são abertas toda segunda-feira, às 8h, para as sessões daquela semana.
Crítica: Tectônicas, direção Marcelo Lazzaratto
O e-Urbanidade foi conferir o novo cartaz do Teatro Sesi-SP, Tectônicas de de Samir Yazbek, com direção de Marcelo Lazzaratto.
Celso Faria
16 de setembro de 2021
Sigmund Freud (1856 – 1939) já fez analogias da Terra e os mecanismos de individuação. Como as eras geológicas são criadas no atrito lento, mas fluido das placas tectônicas, o indivíduo é gestado na fricção das pulsões. É por este mote que a dramaturgia de Samir Yazbek avança em Tectônicas, direção de Marcelo Lazzaratto, em novo cartaz no Teatro Sesi-SP.
A história é do usineiro paulista Jorge, interpretado por André Garolli, em que as relações de poder passam tanto pelas terras quanto pela família. A filha Fabíola, Maria Laura Nogueira, acaba de retornar para casa após terminar os estudos na capital e reencontra Marcelo, Sidney Santiago Kuanza. Ele é um ex-namorado, preso injustamente em uma artimanha de Jorge.
O universo familiar psicanalítico de Yazbek aloja-se numa cidade fictícia do interior de São Paulo, mas bem que poderia ser Tebas. Porém, Jorge não é um herói trágico, pode até ser um um homem de renome e rico, no entanto não é nada virtuoso.
O protagonista é um Édipo que não arranca os próprios olhos diante do infortúnio, mas destrói do dissidente, mesmo que seja um vizinho, esposa, amigo, filha e até mãe.
É verdade que esse lugar polarizado – ou amigo ou inimigo, ou herói ou ladrão- parece dominar a ordem vigente. Essa visão de mundo sem nenhuma complexidade, facilmente perceptível no atual presidente, é o material do qual é feito o protagonista.
Yazbek, em entrevista ao podcast Rolê Urbano, afirmou que Tectônicas quer falar da nossa agressão ancestral tupiniquim. “A peça pretende refletir sobre os mecanismos psicológicos, sociais, míticos na perpetuação da violência na nossa sociedade”, complementa.
O elenco mostra maturidade, uniformidade e ciência das suas personagens. Garolli assume com grandeza e horror o homem mal. Nogueira e Kuanza ganham a cena como casal apaixonado. Luciana Carnieli é a mãe vendida a manter o status quo. Heitor Goldflus dá o tom certo ao homem abatido, mas sorrateiro. Patricia Gasppar traz humor nas poucas falas. Mauro Schames revela-se aos poucos, ao lado de Sandra Corveloni.
Pode-se dizer que a estética proposta pelo encenador é geográfica. Assim que o pano sobe e as luzes acendem, o elenco é colocado em cena durante todo o tempo, notadamente bem marcados e territorizados.
A cenografia também assinada por Lazzaratto impõe uma grande chaminé referendada no centro. Lugar que Jorge não sai, afinal o mundo gira em torno dele. Em torno do capital, dos homens, do patriarcado.
Certamente Tectônicas é também uma peça de acertos plásticos e que felizmente dialogam com a dramaturgia. A luz de Wagner Freire é exata. Os figurinos de Marichilene Artsevskis caem bem, tanto no corte como nas personalidades. A trilha de Dan Maia contribui na delimitação do universo.
E, por fim, os vídeos produzidos por André Guerreiro Lopes. Além de colocar os atores Ademir Emboava e Alexandre Borges no jogo, incorporam ao teatro contemporâneo, e presencial, os zooms, face-times: a coqueluche dos nossos dias de quarentena.
Em entrevista ao Rolê, Garolli afirma que “Tectônicas é uma síntese do que é o país e da forma com que lida como seus opositores”. Sim, é sobre isso e como essa estrutura de violência e dominação ocupa os diferentes meandros da sociedade.
Perceber-se fruto e até mesmo continuador de certas configurações de agressões sociais é fundamental para conceber novas arrumações. Por isso, a montagem torna-se fundamental.
Não deixe de ver!
Mediação – propostas para ampliar sua fruição
Como primeira sugestão vale ouvir o episódio #45 – Violências do Rolê Urbano. Além de entrevistar Garolli e Yazbek, a trilha segue pelo tema dos ataques e agressividades visíveis e invisíveis. Lá tem filmes, séries, livros e tem até uma exposição que vão ampliar a percepção quando assistir a peça.
Para ajudar a compreender os processos estruturantes e persistentes de violência da colonização brasileira até os dias de hoje, leia Brasil: uma biografia: Com novo pós-escrito, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling. As 808 páginas podem assustar, mas a leitura é agradável e sai daquela história convencional contada na escola. Detalhes sobre o cotidiano, a expressão artística e a cultural, as minorias, os ciclos econômicos e os conflitos sociais dão um tom aprazível à grande jornada.